foi um desvio que me levou ao Canadá, país que até então nunca havia pensado em conhecer. em meio a tantos planos, passagens compradas e agendas cheias, talvez tenha sido esse desvio uma das melhores coisas que me aconteceu em uma viagem de estudo em Nova York.
conheci o David de forma despretensiosa em dezembro do ano passado em Manaus. ‘’are you going to Santarém?, ele me perguntou, encostando sem graça e de surpresa no meu braço. desde então, começamos uma viagem juntos - e também com minhas parceiras Heloisa e Lorena -, e uma amizade de muita troca, verdade e aprendizado. foi ele quem me levou ao Canadá, que me acolheu em sua casa e que me deu esse baita presente.
nessa digestão ainda recente, é difícil colocar as palavras pra fora. de fato, 2018 tem sido um ano de muitas descobertas. um ano de tentativas, escolhas e riscos, que me levam pra um lugar desconhecido, mas sempre carregado de uma nova potência. um processo carregado de luz, de sombra, aceitação e autoconhecimento.
depois de sete anos decidi sair de são paulo sem muito dizer adeus. foi uma saída de fininho, para evitar as tais despedidas que sempre me machucavam. vendi meu carro (na verdade, ainda está à venda, caso tenham interesse rs) e decidi viajar pelo Brasil, viagem que tem começado de pouco em pouco, em respeito ao tempo, às paixões repentinas e aos desvios dessa vida. é um sonho de infância que agora começa a se desenhar.
tento sempre lembrar que essas minhas derivas e esse tempo de recolhimento só podem existir pois tenho muitos privilégios, ainda mais no Brasil. sou muito grata aos meus pais (Mônica e Neivaldo), que sempre me de colocaram à disposição da melhor educação, que sempre me incentivaram a viajar e a confiar nas minhas escolhas. hoje começo a enxergar e agradecer o quanto de mim se encontra no jornal deixado em cima da mesa do meu quarto pelo meu pai, sempre com uma matéria nova para eu ler, na insistência de minha mãe em me manter nas aulas de balé, inglês e piano - apesar de eu só querer a de capoeira -, nos programas de televisão que não podia assistir, nos cd’s do Scorpions e do Engenheiros do Hawaii, que sempre rodavam a cada viagem para Campos. também no disco do Casaca, que embalava a ida a escola com a Marina. nas centenas de tecidos que minha vó usava para costurar e que eu pegava para recortar e me enfeitar em seu quintal.
sempre tive medo de me expor, apesar de ter dançado em palcos durante quase a vida toda. trabalhar no circuito das artes esses anos (algo que sempre desejei e que sou muito grata), apesar de ter me trazido muito conhecimento, pessoas especiais e um despertar sensível, me deixou ainda mais crítica comigo e com os outros. hoje vejo que o medo paralisante de me julgarem estava amarrado em minha própria crítica exacerbada sobre o outro. sempre tratei o fim como resultado. hoje tento compreender que o caminho é o lugar de onde vem a verdade, o movimento e a força da intensidade. não é à toa que, em meio a tantos outros textos que já escrevi, consiga soltar algumas palavras apenas hoje.
escrever diariamente, hábito que comecei este ano, me fez constatar algumas coisas simples, que sempre estiveram aí, mas que nunca me atentei, ainda mais nessa glorificação do “estou na correria” da cidade grande. parar, escrever, olhar pra dentro, se conectar com o presente tem sido um dos maiores desafios e aprendizados nesse caminho. sinto que o Canadá se entrelaça nesse trajeto como uma metáfora. dessa viagem que embrulha e me faz acreditar no que tenho construído. que me dá coragem para ouvir a intuição e seguir em frente. que me faz agradecer às pessoas que cruzam nossa vida e que nos fazem crescer.
foram duas semanas cercadas pela natureza e por pessoas que, se eu pensar no abraço de cada dia, já me sinto aquecida. todos vivendo em conjunto, compartilhando, ensinando, produzindo, trocando, aprendendo, numa rede de apoio que vi em poucos lugares por aí. um respeito ao tempo e ao ciclo das coisas. desde a comida que é plantada, que depois é cozinhada, digerida, em seguida liberada e que depois volta à terra para começar tudo de novo, do silêncio na presença das águas do rio, da beleza de cada tomate desenhado pelos insetos, das rodas de intenção a cada refeição, do olhar demorado, da serenidade com a qual as palavras são ditas até do abraço de bom dia que pode demorar minutos.
percebo que quanto mais quero ir, mais preciso voltar. voltar pra dentro, compreender o nosso nascer, de onde viemos e para onde vamos. entender o quanto de minha mãe está em mim, de onde vem o que eu coloco pra dentro do meu corpo; de onde saem as informações que consumo e compartilho por aí; de quanto, quando estou na mesa do bar, estou presente de fato com meus amigos ou apenas inventando mais uma fuga; de que ter espinhas nas minhas costas e no meu rosto aos 25 anos é fruto de um remédio que tomei durante dez anos para evitar gravidez (sem que nem tivesse relação sexual na época), só porque foi me dito que sim, porque todo mundo usa; que não é porque churrasco é bom que preciso continuar comendo carne; que você não está vagabundando se for sozinha ao cinema numa segunda-feira à tarde, enquanto todos estão enviando e respondendo e-mails; que a roupa que comprei na loja bacana shopping, provavelmente não foi produzida de forma tão bacana assim, e que certamente o dinheiro que eu gasto nela está longe de chegar no lugar correto; que você não precisa se calar quando seu ex-chefe fala que você fica sexy de batom vermelho e que não é porque falaram que mulher não pode andar à noite sozinha, que você vai acatar.
tudo parece muito óbvio nessa lista que poderia ser infinita. são lições diárias, e nem sempre é fácil se colocar à disposição de todos esses despertares. é um processo carregado de silêncio e de solidão, em que caminhar sem dar atenção à intuição não parece ser uma escolha (como aconteceu com esse presente-desvio de rota ao Canadá, ou da mesma forma com a qual conheci o David em Manaus).
em um achado recente a um poema de Manoel de Barros, que é pra mim uma das figuras que mais tentou se aproximar de sua verdade, ele nos diz “pois é nos desvios que encontra as melhores surpresas e os articuns maduros. há que apenas saber errar bem o seu idioma”.
que sigamos errando o nosso.
























